O que nos move?

O que nos faz percorrer continentes de distância atrás de uma onda perfeita, que só certamente existe no poder da nossa imaginação?

“Fazes quilómetros e quilómetros para ires de encontro a uma onda, mas nunca arranjas tempo para ir visitar o nosso monte no Alentejo...”, diz-me a minha mãe um pouco triste, ao que respondo: “A diferença minha mãe, é que quando arranco de minha casa, com ou sem amigos, à procura de uma onda, pouco ou nada me importa a distancia que terei que percorrer, pois já vou a surfar! O caminho para uma onda faço-o com a Alma, e assim a mente nem se lembra de despertar o corpo para o tempo que irei ter que viver, até ao meu sonho de vida chegar...”.

Então que força é esta que nos empurra, dia após dia, em direcção ao Oceano? Porque é que a seguir a uma surfada frustrante só penso em surfar novamente e a seguir a uma boa surfada assim o penso também?

Será o voo rasante da gaivota num mar liso como um espelho, enquanto assisto o acordar do sol já dentro da água? Ou será o olhar cúmplice do Pedro ao ver-me a simplesmente deslizar numa onda, que ao deixar cruzar o seu sorriso com o meu, fica a certeza de que ele sabe o que se passa dentro de mim bem como de todos nós: aquele momento de felicidade pura que sentimos ao atingirmos este momento de comunhão com a vida e todos os seus quatro elementos. Surfamos o fogo do Sol que nos ilumina e aquece, o Ar que se deixa aquecer e com a sua dança constante cria correntes que por vezes penteiam a nossas ondas em momentos perfeitos, a Terra que lá no fundo dá às ondas a sua forma e corpo, e por ultimo a Água, berço de toda a vida, onde tudo se encontra e a nossa experiência física abraça o espírito, que livre reaprende a voar...

É isto que todos nós sentimos? É esta a verdade que todos nós procuramos? Certamente que para uns sim e para outros não. Mais certo ainda será o talvez...

Penso que acima de tudo, esta vida de surfista traz à nossa existência uma realidade há muito esquecida pela humanidade em geral: a das nossas raízes nómadas e o facto de a nossa origem como espécie ter vindo desta mesma dinâmica de vida e de sobrevivência. Hoje em dia a maioria de nós já não tem que se deslocar muito para conseguir alimento bem como água. Os dias de caça há muito que já lá vão... Os nossos filhos já não têm que nos seguir todos os dias para assim também sobreviverem. Torna-mo-nos sedentários em praticamente todas as nossas acções diárias, indo de um ponto pré-definido a outro, todos os dias, quase sempre de uma forma tão igual.

O surf vem nos alimentar essa fome de viajar e de caçar, obrigando-nos assim ao movimento constante atrás das ondas, voltando-nos a ligar aos ritmos cósmicos da dança das marés orquestrada pela lua, ao sabor do vento produzido pelo toque quente da luz do sol na atmosfera...

Cascais, Outubro de 2010

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